Em 2013, quando o empresário Jason Fried lançou seu livro Remote: Office Not Required, o mundo e, principalmente, a internet não eram como hoje.
Veja só: naquele tempo, a velocidade média das conexões ao redor do globo era de 3.6 megas por segundo. No Brasil, essa média ficava em torno de 2.7 megas, um número bem distante dos 245 megas de hoje.
Há 10 anos atrás, a discussão sobre o trabalho remoto ainda engatinhava, seja por causa desse acesso à web, ainda lento, seja por falta de um melhor entendimento a respeito dos benefícios do home office.
No entanto, a ampliação da banda larga, a chegada da pandemia de COVID-19 e o aumento na quantidade de empresas de tecnologia dos últimos anos ajudaram a avançar bastante essa história, tornando o texto de Fried ainda mais atual, apesar de (ainda!) encontrar resistência em parte do mercado.
Jason Fried e o trabalho remoto
Considerado como um dos grandes nomes do meio da tecnologia, Fried é um dos idealizadores do Basecamp, software de gerenciamento de projetos que teve parte de suas ações compradas por Jeff Bezos (Amazon).
Mas esta não foi sua única invenção.
O framework Ruby on Rails, famoso no meio dos profissionais de TI, é uma das ferramentas criadas a partir do Basecamp, que se tornaram bastante populares no meio da inovação digital, marcando mais um ponto na carreira de norte-americano.
Esse histórico de Jason Fried mostra que, apesar do sujeito ser considerado bem subversivo no Vale do Silício, tanto por incentivar o home office quanto adotar a semana de 4 dias de trabalho ainda em 2008, a verdade é que ele está longe de ser um social democrata fã do Bernie Sanders.
Os motivos que levam o empresário a adotar soluções tão benéficas para os trabalhadores têm a ver primeiramente com a produtividade e os resultados dessas ações para as finanças dos negócios. Algo que fica bastante claro em seu livro.
O livro Remote: Office Not Required
Em suas 258 páginas, Remote: Office Not Required se parece com outros livros escritos por “gurus” da tecnologia: tem linguagem simples, apresenta vários exemplos de projetos próprios, traz poucas referências bibliográficas e não esconde sua vontade de chamar o empresariado para tomar alguma ação, digamos, disruptiva. A pensar fora da tal caixinha.
Para o CEO que planeja montar um escritório milionário na capital, Remote diz que “o trabalho não acontece nos escritórios” e que estamos vivendo “o fim do monopólio das grandes cidades”.
Ah, é um gerente pensando em resolver a questão dos horários? O livro tem uma parte inteira sobre como “fugir do formato de 9 às 17”.
“Permitir que as pessoas trabalhem remotamente é promover qualidade de vida, é ter acesso às melhores pessoas onde quer que elas estejam. Isso também pode acabar reduzindo os custos com escritórios e resultar em uma equipe menor, porém, mais produtiva”.
Jason Fried
O ponto de vista da mão de obra
Apesar da adesão ao home office ter explodido de 2020 para cá, o fato é que especular sobre o trabalho remoto não é de agora.
Autor do clássico 2001: Uma odisseia no espaço, o inglês Arthur C. Clarke já falava sobre a utilização dos computadores para a realização do teletrabalho antes mesmo da internet pensar em ser alguma coisa, lá na década de 1970.
Porém, para chegarmos no ponto onde empresas conseguem funcionar de forma virtual (ou híbrida), é preciso pensar também do lado do trabalhador e da trabalhadora, entendendo seus reais desejos. Algo que Fried consegue apresentar em Remote.
“Se agora temos acesso ilimitado à cultura e ao entretenimento em qualquer lugar, por que ainda estaríamos dispostos a viver ligados ao padrão de antigamente? Aquele apartamento superfaturado, a caixa de sardinha motorizada e sua baia ainda valem a pena? Cada vez mais, acreditamos que para muitas pessoas a resposta será não.
Então, aqui vai uma previsão: o privilégio de luxo dos próximos vinte anos será deixar a cidade grande. Não para um subúrbio próximo à empresa, mas para onde quiser”.
Jason Fried
Para o empresário a lógica aqui é simples, como pontuado em um dos capítulos do livro: “bons trabalhadores remotos são apenas bons trabalhadores” que podem (e às vezes precisam) estar em qualquer lugar.
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O teste de fogo do home office com a pandemia
Para quem ainda tinha dúvidas sobre o poder do trabalho virtual, talvez a pandemia de COVID-19 tenha sido um grande test-drive.
De acordo com uma pesquisa publicada pela Agência Brasil, o home office “foi adotado por 46% das empresas durante a pandemia”, mesmo que contra a vontade de alguns empresários viciados no modelo antigo de administração.
Essa adoção cada vez maior de pessoas e empresas ao trabalho on-line fez com que a Receita Federal apontasse, em 2023, uma norma que permite a dedução de despesas de teletrabalho na apuração do Imposto de Renda, criando um caminho para aumentar ainda mais a quantidade de trabalhadores on-line no Brasil.
Interessante que enquanto a pandemia validou boa parte da ideia principal de Remote: Office Not Required, uma parte do mercado, não prevista por Fried, tem se colocado, hoje, contra o home office.
Empresários do ramo imobiliário têm se preocupado com o trabalho remoto, uma vez que pessoas no home office deixam de circular nos grandes centros, esvaziando restaurantes e bares das capitais — além de largar os aluguéis da região central em busca de um lugar no interior.
Ou seja: lugares que não se preocuparam em ter moradores e sim trabalhadores, tem visto agora quais são os problemas em ser cidades-dormitório.
No final das contas, depois de 10 anos de seu lançamento, o livro Remote: Office Not Required continua válido e atual, não só para a mão de obra e para o empresariado de tecnologia, como também para o poder público, que precisa, mais do que nunca, entender o peso do subtítulo: escritórios não são necessários.
Precisamos pensar em fomentar talentos livres e não em correr atrás de lugares fechados para exibir mesas, cadeiras e colaboradores oprimidos.
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