Com anúncios a todo momento no Youtube e até mesmo em podcasts, o iFood despejou milhões de reais em publicidade durante a pandemia de COVID-19. E nada anormal ou novo por aí, afinal, a mesma empresa chegou a torrar R$ 53,7 milhões em compra de mídia no ano de 2017, de acordo com a Meio e Mensagem.
No entanto, se há 4 anos o marketing do iFood era quase que totalmente focado em atrair novos clientes para a plataforma, agora boa parte da milionária comunicação busca mudar um pouco do ar negativo que ronda a empresa após a paralisação dos entregadores do aplicativo, realizada no começo de 2020. Uma paralisação que jogou ainda mais luz na discussão sobre o cooperativismo de plataforma e as possibilidades de se realizar trabalhos mais justos (e bem remunerados) dentro deste modelo de organização baseado em plataformas digitais.
Mas o quê, afinal, é o cooperativismo de plataforma e por que este modelo não consegue ganhar mais adeptos no Brasil?
São estas e outras questões que iremos abordar aqui no texto.
O que é cooperativismo de plataforma
Indo muito além do mero uso da tecnologia digital para solucionar problemas do cotidiano, o cooperativismo de plataforma usa de tecnologias similares às de empresas da economia de compartilhamento (Uber, Airbnb, iFood, etc), porém, deixando o controle destas plataformas nas mãos de agrupamentos de trabalhadores.
Completando, de acordo com Rafael Grohmann, coordenador do laboratório de pesquisa DigiLabour, “entre os princípios do cooperativismo de plataforma estão a propriedade coletiva, trabalho associado, pagamentos decentes e seguridade de renda, transparente”.
Exemplos de cooperativas plataformizadas
Ainda que seja uma novidade, o cooperativismo de plataforma tem apresentado bons exemplos em diversos lugares do mundo, inclusive no Brasil.
Feira em Casa, da CAAF
Lançada ainda em março de 2020, logo no começo da pandemia, a plataforma de compra online da Cooperativa de Agricultores e Agroindústrias Familiares (CAAF), de Caxias do Sul, oferece cestas com alimentos hortifrutigranjeiros e de agroindústria, produzidos por agricultores associados.
De acordo com o site do projeto, as cestas da Feira em Casa são compostas por alimentos produzidos por agricultores cooperados. Os itens das cestas são ofertados de acordo com a sazonalidade e a produção dos associados.
Resonate
Pagando entre US$0,003 e US$0,005 por cada streaming de música ou podcast, o Spotify, ainda que seja uma das grandes plataformas sonoras do mundo, não é lá das queridinhas dos artistas.
Foi em busca de se tornar uma alternativa mais justa para as pessoas produtoras de áudio que surgiu a Resonate, uma plataforma de streaming de música de “propriedade cooperativa” que funciona contra o negócio de assinaturas mensais vinculadas a aplicativos.
Nela os usuários pagam pelo que ouvem em uma escala que varia dependendo do quanto você ouve. Segundo os fundadores do projeto, o custo para os usuários deve ficar em cerca de 2-4 dólares por mês por 2 horas de música por dia. Depois de ouvir uma música nove vezes, você a comprou de uma vez e é sua para ouvi-la para sempre.
Já os artistas são pagos diretamente por quanto suas músicas são transmitidas.
Señoritas Courier
Se colocando como sendo um coletivo de mulheres e pessoas LGBTQIA+ que fazem entrega na cidade de São Paulo, as Señoritas estão em busca de novos sentidos para mobilidade, sustentabilidade e trabalho em cicloentrega, como um exemplo de alternativa às grandes plataformas digitais.
Dobrando as barreiras do cooperativismo de plataforma
Apesar de todos os avanços do cooperativismo (seja de plataforma ou não) em todo o mundo, a verdade é que esse modelo encontra diversos problemas quanto maior fica ou quanto mais tempo sobrevive.
A filósofa e economista Rosa Luxemburgo disse uma vez: “Trabalhadores que formam cooperativas no campo da produção enfrentam a necessidade contraditória de se governar com o mais elevado absolutismo. Eles são obrigados a tomar, para si próprios, o papel de empreendedor capitalista – uma contradição que conta para o fracasso habitual das cooperativas de produção, que ou se tornam empreendimentos capitalistas puros ou, se os interesses dos trabalhadores continuam predominando, terminam se dissolvendo”.
Porém, apesar dessas dificuldades, de acordo com Trebor Scholz, professor associado da The New School, em Nova York, nos Estados Unidos e autor do livro Cooperativismo de plataforma, “há, entretanto, o inegável e importante efeito que as cooperativas têm em todo o sistema. As cooperativas existentes mostraram que possuem empregos mais estáveis e proteções sociais mais confiáveis que modelos extrativos tradicionais”.
Com isso em mente, pensar em soluções que funcionem como verdadeiras cooperativas de plataforma — ao contrário das faux-op (falsas cooperativas) — pode ser um excelente caminho para termos um mercado de inovação digital mais justo para os trabalhadores, com maior impacto nas economias locais e, por fim, com capacidade de atrair mais pessoas para o segmento de tecnologia.
Daqui a vinte ou trinta anos, quando provavelmente enfrentaremos o fim das profissões e mais empregos serão “uberizados”, podemos muito bem acordar e imaginar por que não protestamos contra essas mudanças com mais força. Apesar de toda a deliciosa e caseira conveniência da “economia do compartilhamento”, podemos acabar compartilhando as sobras e não a economia. Podemos sentir remorso por não termos buscado alternativas anteriormente. Sem dúvida, não podemos mudar o que não entendemos.
0 resposta