Se distancie um pouco e dê uma olhada para o mercado de inovação do Brasil.
Já sabemos há algum tempo que a esmagadora maioria das startups brasileiras são fundadas e administradas por homens, brancos e héteros, certo? Mas e quanto a aquisição de conhecimento? Qual é o tipo de conteúdo que este público costuma absorver?
Bem, se observarmos os canais de Youtube e influenciadores mais apontados em dicas para empreendedores, o perfil continua sendo o mesmo — com raríssimas exceções, claro — e com uma visão bastante alinhada com o livre mercado. O que pode, inclusive, ser observado também na literatura.
Dê uma conferida nas listas de livros mais vendidos da Amazon, por exemplo.
Na sessão de Administração, Negócios e Economia, as 20 obras mais vendidas são de autores homens com perfil bastante neoliberal, algo bem semelhante com o que acontece na parte de Pequenas Empresas e Empreendimentos, onde a exceção fica à cargo de A Psicologia das Cores no Marketing, da autora Cristiane Thiel.
Também com raras exceções — olá, Rápido e devagar —, todos estes livros costumam ser ou ter forte influência da autoajuda. Algo que, convenhamos, não é bem alinhado com a ciência e os fatos.
Pra ficar só em alguns exemplos, temos Os segredos da mente milionária, Como convencer alguém em 90 segundos, Quem pensa enriquece e, vamos ser honestos, Do Mil ao Milhão. Sem Cortar o Cafezinho, de Thiago Nigro.
Meu ponto aqui é o seguinte: se estamos falando de um mercado de inovação, parece que não estamos colaborando em criar um ambiente muito propício à inovação, certo?
Daí a importância de sair um pouco do meio tradicional e, quem sabe, explorar novos olhares e pensamentos. E um bom caminho para isso pode ser através de O Estado empreendedor: Desmascarando o mito do setor público vs. setor privado, da autora Mariana Mazzucato.
Conheça Mariana Mazzucato
Se formos usar a descrição do Quartz, um dos portais mais influentes sobre negócios do mundo, Mazzucato pode ser tida como “uma das economistas mais influentes do mundo”, e não é por menos.
Professora de Economia da Inovação e Valor Público na University College de Londres (UCL) e diretora fundadora do Instituto de Inovação e Propósito Público, a italiana de 53 anos também foi a responsável pelo relatório de alto impacto sobre Pesquisa e Inovação Orientada para a Missão na União Europeia.
Ou seja: é alguém que tem um grande lugar de fala sobre inovação.
O que é o Estado Empreendedor
Lançado em 2013 e indicado pelo Financial Times como um dos melhores livros daquele ano, Estado Empreendedor é um trabalho que desmascara os mitos que envolvem o setor público em detrimento do setor privado quando o assunto é o crescimento econômico liderado pela inovação de longo prazo.
Nele, Mariana aponta como que o setor privado costuma encontrar coragem para investir em inovação só depois que um estado empreendedor já tenha feito os investimentos de alto risco.
Seria o caso, por exemplo, do iPhone, aclamado por ser um produto da Apple, porém, produzido em cima de pesquisas financiadas pelo governo: como a Internet, GPS, sua tela de toque e o Siri ativado por voz.
No livro, Mazzucato também argumenta (com dados), como que na história do capitalismo moderno o Estado não apenas consertou as falhas do mercado, mas também ativamente moldou e criou os mercados. Ao fazer isso, às vezes ganha e às vezes falha. No entanto, ao não admitir o papel do Estado nessa tomada ativa de riscos e fingir que o Estado apenas vibra nas laterais enquanto o setor privado ruge, acabamos criando um ‘sistema de inovação’ em que o setor público socializa os riscos, enquanto as recompensas são privatizadas.
“O importante para o governo não é fazer coisas que os indivíduos já estão fazendo, e fazê-las um pouco melhor ou um pouco pior; mas fazer aquelas coisas que no momento não são feitas de forma alguma”.
Mariana Mazzucato
Impostos e investimentos
Essa ideia de que o Estado é o verdadeiro fomentador até mesmo da inovação aplicada em produtos da iniciativa é alinhada com diversos levantamentos.
Segundo um levantamento feito pela USP, 60% do financiamento de pesquisas nas universidades vem do setor público, enquanto na Europa essa porcentagem chega a 77%.
Agora, com a pandemia do novo coronavírus, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, o Ipea, apontou que o enfrentamento da crise sanitária dependeria de mais investimentos em ciência e tecnologia.
Além de fomentar o surgimento de mão de obra especializada, esse investimento em pesquisa, infraestrutura e outros pontos, teria um impacto maior no desenvolvimento de inovação do que apenas a redução de impostos, outro ponto que já foi mostrado como sendo insuficiente ou ineficaz para o surgimento de novas empresas de base tecnológica.
Veja por exemplo o caso da Califórnia e de Nova York onde, mesmo com taxas altíssimas de impostos, continuam sendo os grandes centros comerciais dos Estados Unidos.
Ainda com exemplos estadunidenses, quando a porcentagem de impostos eram maiores, lá nas décadas de 1950 e 1960, a taxa de produtividade dos EUA era mais alta. Tanto que foi naquela época que o homem pousou na lua, os cientistas inventaram a internet, os satélites e o transistor, e foram plantadas as sementes de toda a revolução do computador que agora define inovação.
“A implicação política é que em vez de dar esmolas para as pequenas empresas esperando que elas cresçam, é melhor oferecer contratos para jovens empresas que já demonstraram ambição. É mais eficaz encomendar tecnologias que exijam inovação do que distribuir subsídios esperando que a inovação ocorra”.
Por uma melhor conexão entre as empresas e o governo
Hoje, setores do governo tem ajudado na atração de empresas e indústrias para as cidades e colaborado para tornar os municípios cada vez mais propensos a conquistar e criar novos negócios.
Pensar no estado como um facilitador pode ser um enorme passo para tornarmos o nosso mercado de inovação de fato mais inovador, afinal, além de ser o responsável por cuidar da estrutura das cidades, é ele quem deveria investir onde nem sempre o setor privado, de olho apenas em demandas do mercado, tem coragem para se aventurar.
Aqui no blog do Valin já demos alguns bons exemplos de projetos de Estado Empreendedor com o Start-up Chile, o ecossistema de inovação da Estonia e no nosso papo com o pessoal do SEED, de Belo Horizonte.
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