Você deve estar acompanhando a discussão em torno de uma provável regulação das plataformas digitais, né? Seja pelo impacto gerado pela tentativa de golpe do 8 de janeiro ou pelos lamentáveis ataques nas escolas nos últimos meses, o fato é que os conteúdos que circulam nas redes sociais precisam ser controlados, sem censura, claro. É isso que o Projeto de Lei 2630 de 2020, de relatoria do Deputado Orlando Silva, busca fazer. No entanto, o caminho tem sido árduo. Tem-se encontrado uma série de entraves sobretudo devido ao lobby poderoso das chamadas ‘Big Techs’, as gigantescas empresas do ramo digital como Apple, Amazon, Microsoft, Meta (Facebook, Instagram, Threads), Alphabet (Google, Youtube, etc), Twitter…e o famigerado Telegram, claro.
Aliás, muita gente acredita que essas empresas se tornaram mais poderosas que países, verdadeiros impérios, pelo mérito de seus fundadores e presidentes somente. Só que o buraco é mais embaixo. É preciso olhar com cuidado e critério sobre a formação dos monopólios do Vale do Silício. mas deixamos para um outro momento. Vamos focar aqui em plataformas digitais que têm relações diretas com o espaço geográfico, sobretudo as plataformas de trabalho que promovem alterações socioespaciais. Aquelas que influenciam o dia-a-dia da cidade.
Mas afinal, o que são plataformas digitais e do que se trata esse processo de plataformização? Existem diversas definições e abordagens nesse sentido. Inclusive, o Comitê Gestor da Internet no Brasil – CGI.br – estava até o último dia 16 de julho com uma consulta pública sobre regulação de plataformas que incluía um debate em torno da definição. Para fins de clareza, podemos considerar a definição de Nick Srnicek, acadêmico que escreveu o livro Capitalismo de Plataforma: são infraestruturas digitais que possibilitam a interação entre dois ou mais grupos. Sim, são infraestruturas e devem ser percebidas como tal.
Temos visto nos últimos tempos algumas plataformas para motoristas e de entrega em Ouro Preto, por exemplo. Mas será que esse é o caminho que queremos trilhar? Cidades que são realmente inteligentes são as que promovem a soberania digital de sua população. Araraquara, no interior de São Paulo, tem mostrado uma experiência exitosa no desenvolvimento e implementação de uma plataforma para corridas promovida pela prefeitura e que já ganhou reconhecimento nacional e internacional. No caso o/a motorista fica 95% da tarifa. Já no Rio de Janeiro a prefeitura chegou a testar o Valeu, aplicativo de entrega que oferecia custo zero para restaurantes em pedidos até R$100. Precisamos de mais experiências como essas e a região dos inconfidentes tem tudo para ser protagonista na promoção de plataformas de trabalho decente. Você viu que o Brasil continua com um péssimo desempenho nesse sentido? Que tal fazermos diferente?
Podemos pensar em uma “arquitetura multinível” para a região, que coloque as plataformas para o bem comum ou/e com propriedade das trabalhadoras e trabalhadores, em parceria com a rede de hotéis e restaurantes. Isto é, o governo local sendo propulsor de uma agenda de cooperativismo de plataforma. Por exemplo, se pensamos em contratar serviços de limpeza e de cuidado em geral podemos viabilizar que associação dessas/es profissionais tenham controle e tomem a decisão sobre o desenvolvimento e gestão da ferramenta. O mesmo se aplica para as/os motoristas de aplicativo, taxistas e motofretistas.
O que não dá mais é ficar promovendo o modelo que já se demonstrou falido de empresas como Uber e Ifood em cidades pequenas na promoção do desenvolvimento econômico e sustentável local.
Dois caminhos que podem ser trilhados concomitantemente, regulamentação alinhada-aos princípios de trabalho decente e/ou pensar essas plataformas como infraestruturas públicas digitais essenciais. Mas como chegaremos lá? Por meio da sensibilização das partes interessadas, da capacitação tecnológica e organizacional, vontade política, investimento público e privado, além de parcerias multissetoriais e consórcios intermunicipais nacionais e globais de longo prazo.
Ouro Preto, tendo seu reconhecimento pelo seu avanço na pauta tecnológica, que vem dos tempos da realização do evento OuroTech há cerca quatro anos atrás, pode e deve fazer diferente. Ano que vem é ano de eleições municipais é importante estar de olho em quem realmente se compromete com uma soberania digital sustentável. Isto é, a ver quem não pensa e age criticamente e inventivamente em relação à questão digital.
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