
Não é raro encontrar palavras cujo significado mudou ao longo dos anos devido ao contexto da época.
Inovação é uma delas.
Geralmente associada ao mercado, a palavra nasceu — e até hoje tenta parecer — ligada a fazer diferente, experimentar e, não por acaso, à criatividade.
No entanto, se por um lado as empresas precisam inovar para seguir crescendo, por outro, o status quo do mercado se mostra cada vez mais avesso ao risco — elemento essencial para o surgimento de novidades.
Dessa contradição surge a principal pergunta que toda comunidade de inovação deveria fazer a si mesma: o que é inovação?
Como um dos fundadores do Valin, líder de comunidade e especialista em cultura digital, passei anos pesquisando e reunindo fragmentos para responder a essa questão. O que trago aqui é parte da resposta, um norteador para que ecossistemas de inovação possam, de fato, gerar impacto.
O conceito de inovação
Inovação não é um termo recente.
Nos tempos de Platão, a palavra era usada para descrever aqueles que se posicionavam contra o governo. Ou seja, naquela época, o Rage Against the Machine teria mais a ver com isso do que um Elon Musk da vida.

Séculos depois, durante a Idade Média, quando a igreja dominava o Estado, inovadores eram aqueles que desafiavam essa ordem — ateus, agnósticos e pessoas com crenças distintas do cristianismo eram considerados parte desse grupo.
Somente na virada do século XIX para o XX, com o avanço tecnológico e o legado do Iluminismo, inovação passou a ser associada à criação e ao uso de novas ferramentas.
Dito isso, vincular inovação exclusivamente ao mercado é uma ideia relativamente recente — e não necessariamente correta.
Inovação e tecnologia
Por milênios, escritores, artesãos e produtores de alimentos tinham um domínio completo das ferramentas que usavam em seu trabalho.
Com a Revolução Industrial e o advento das máquinas a vapor, isso começou a mudar.
Os equipamentos se tornaram mais complexos, cheios de componentes e funções, enquanto o trabalhador passou a conhecer apenas uma parte do processo produtivo. Foi questão de tempo para que inovar, que antes era uma ação ligada à experimentação direta, ficou cada vez mais restrita a quem detinha o controle dessas novas tecnologias.
Esse fenômeno se intensificou com a ascensão da eletrônica e, mais tarde, com o Vale do Silício.
Mas isso não significa que inovação só aconteça no ambiente digital.
Formas de se inovar
Muitas vezes me perguntam se é possível inovar no mundo analógico, fora do meio virtual. A resposta é simples: sim, claro que sim.
Aqui estão alguns exemplos de inovação que vão além da tecnologia digital:
- Inovação de processo: como a otimização da linha de montagem do McDonald’s.
- Inovação social: soluções que beneficiam a sociedade como um todo.
- Inovação organizacional: mudanças estruturais em empresas e instituições.
- Inovação incremental: aprimoramento de produtos ou serviços já existentes.
O problema dessa lista? Ainda se mantém centrada no mercado — até mesmo a inovação social costuma ser associada a empresas e ONGs.
E é nesse ponto que inovação e mercado se separam.
A inovação de mercado
Todo mundo conhece exemplos de empresas que falharam por não inovar.
A Kodak não soube lidar com as câmeras digitais, mesmo tendo inventado os primeiros modelos.
A Blockbuster recusou a compra da Netflix por uma quantia insignificante perto de seu valor atual.
A Disney manteve seu estilo tradicional de animação até Homem-Aranha: Através do Aranhaverso transformar o estúdio do Mickey em algo antiquado — e menos lucrativo.
Entre 2005 e 2015, o mundo passou por uma revolução digital impulsionada pelos smartphones e pela internet banda larga. Empresas que insistiram apenas no modelo analógico perderam espaço.
Por outro lado, muitas das regras que antes limitavam negócios tradicionais agora são replicadas no setor digital, tornando a tecnologia cada vez mais burocrática e menos inovadora.
O benchmarking engessou a criatividade, enquanto a pesquisa acadêmica — uma das bases da inovação — recebe cada vez menos investimentos e tem menos aplicação prática no mercado.
Inovação para o Valin
Diante de tudo isso, seguimos a definição do Dicionário de Oxford:
“Inovação é a alteração daquilo que está estabelecido através da introdução de novos elementos ou formas.”
Essa transformação pode acontecer no mercado? Sim, mas não exclusivamente.
Sociedades e comunidades também podem ser inovadoras, assim como governos, sem que o impacto mercadológico seja a principal métrica.
Pensar no verdadeiro significado de inovação pode nos levar a um mundo com mais criatividade — e, por que não, mais lucratividade.
Isso, inclusive, alivia a pressão de estar sempre em busca do “novo” sem necessidade real.
Nem tudo precisa ser inovador. Mas, se for, que seja de verdade.
Autor do texto