A morte do hackathon

É praticamente impossível atravessar um semestre no mercado ~ de inovação ~ sem ler ou ouvir a respeito de algum hackathon.

Arroz de festa do setor tech, esse tipo de maratona criativa saiu dos grandes centros urbanos nos últimos anos e ganhou destaque até em pequenas cidades do interior.

No entanto, ao contrário do que se esperava, o aumento na quantidade de gincanas de inovação não parece afetar o número de empresas de base tecnológica, o interesse das pessoas nas áreas de ciências, tecnologia, engenharia e matemática — da sigla em inglês “S.T.E.M” — e nem mesmo se traduzir em novos produtos inovadores.

Daí não faltaram artigos, palestras e debates decretando a morte do hackathon. Mas, será que estes pessimistas que escrevem isso estão corretos? Será que um dos principais termos do mercado de inovação virou uma palavra vazia? 

Acredito que sim, mas, para entender porque e o que vem na vida pós-hackathon, tem todo um textão a seguir.

Quando surgiu o hackathon

Como costuma ser a regra no mundo digital, o hackathon nasceu pelas mãos da galera do open source. Mais precisamente, do OpenBSD, sistema operacional livre da família UNIX.

Tudo aconteceu em 1999, em uma casa da cidade canadense de Calgary.  

Por lá, cerca de 10 desenvolvedores se reuniram em um belo dia para encontrar e resolver vulnerabilidades na estrutura padrão de um sistema. Ao fim de uma semana, todas as atualizações haviam sido feitas de uma maneira até então inédita no mercado.

Deste momento em diante, diversas empresas começaram a pensar nesse modelo de encontro para aprimorar e criar novos produtos e funções.

O botão de like e o hackathon mais famoso da história

Muito mais conhecido que o OpenBSD, o Facebook tem aquela história que se torna padrão em tudo quanto é PPT na hora de falar sobre a grandiosidade dos hackathons.

Antes mesmo de copiar a timeline do Twitter e os vídeos curtos do Snapchat, em 2007 o Facebook era uma plataforma que contava com cerca de 30 milhões de usuários.

Porém, a única forma de interagir com as postagens era através de comentários.

Leah Pearlman, uma das gerentes de produto da empresa na época, achava isso ineficiente. Ela também percebeu que todas as postagens populares tinham comentários repetitivos como “Incrível” ou “Parabéns”.

De olho nisso e com ajuda de alguns colegas do Facebook, ela decidiu criar uma maneira universal e intuitiva de expressar aprovação na rede social. 

Pearlman adicionou o “botão incrível” (awesome button), como o grupo inicialmente o chamou, ao quadro interno de ideias do Facebook. A proposta recebeu votos suficientes de seus colegas para virar pauta de um hackathon interno, a implementação deu certo, a equipe trocou o nome do botão para “like” e o resto é história.

Innovation Theater ou o teatro da inovação

Acontece que, como diz o sábio: “tudo que é demais é e excesso”.

Mais de uma década após o famoso hackathon do like, o acadêmico e investidor Steve Blank, um dos nomes por trás da tese que inspirou o modelo Lean Startup, escreveu um artigo para o Harvard Business Review onde diz que empresas e governos, ao crescerem, passam a priorizar o processo em vez da entrega, impedindo que a verdadeira inovação aconteça.

Ainda de acordo com Blank, quando as organizações se dão conta disso, elas, via de regra, respondem de três maneiras: contratando consultores para fazer uma reestruturação (algo conhecido como “teatro organizacional”), adotando novos processos, como o design thinking, ou criando laboratórios ou hubs de inovação.

Para o pesquisador, essas abordagens não resolvem o problema de raiz: o fato da busca pela inovação real não estar na base das decisões.

A armadilha dos hackathons como peça de marketing

Muitos hackathons também são um exemplo perfeito desse teatro da inovação, explicado por Steve Blank. 

Estes eventos são amplamente reconhecidos, simples de entender e parecem uma maneira fácil para uma instituição marcar pontos como “inovadora”. 

Não por acaso, diversas empresas de consultoria colocam essas maratonas como principal forma de engajar o público em geral com uma determinada marca que deseje se colocar como… diferentona ou moderna.

O lance é que um hackathon não dá muito retorno tangível.

Seja no formato de 72 horas, ou de uma semana, o coração doz hackathons raiz eram o foco na resolução de um problema. Foco, não necessariamente velocidade.

Algumas soluções, mesmo debaixo de muita atenção, podem levar algum tempo para serem encontradas. 

Essa característica bate de frente com a famosa frase “Fail fast, learn faster” (“falhe rápido, aprenda mais rápido”), que tenta incorporar uma dose dos desejos aceleracionistas das bolsas de valores a um assunto primordialmente científico e criativo.

Muito além das maratonas

Os hackathons surgiram em um mundo onde a internet se popularizava, tornando-se conhecidos em um período pré smartphones. 

Ou seja: as coisas andavam mais lentamente, mesmo no Vale do Silício.

Mercados e a própria comunicação funcionam com outra marcha hoje em dia, porém, a inovação ainda carece de respiro para acontecer de verdade.

Apostar todas as fichas no encontro de soluções mágicas em um breve espaço de tempo acarreta várias questões perigosas.

No caso de prefeituras e instituições públicas de ensino, os hackathons, fora de uma estratégia bem pensada, podem trazer problemas significativos como:

  • Grandes empresas deixam de fazer convênios com universidades, ou contratar novas equipes, apostando apenas nos resultados de um econômico hackathon;
  • Os hackathons começam a atrair pessoas muito especializadas em participar de premiações, porém, pouco interessadas em abrir uma nova empresa;
  • A alta energia destes eventos de curta duração podem criar uma falsa expectativa de que uma empresa consegue encontrar o breakeven e escalar em pouco tempo.

Por tudo isso eu concordo que os hackathons estejam morrendo, mas não em termos de popularidade — nesse ponto eles estão Vivinhos da Silva — e sim de efetividade.

Tal como empoderamento, sustentabilidade, empreendedorismo e inovação, hackathon parece virar um caso de buzzword vazia.

Prova desse esvaziamento de sentido é que já presenciei vários casos de hackathons sem nenhum “hack” (programação), mas com muito “thon” (de “marathon” ou maratona, em inglês). Se você é da área, talvez tenha presenciado o mesmo que eu.

Por fim, acredito que, seja na esfera pública ou privada, em prefeituras, instituições de ensino ou grandes empresas, maratonas de tecnologia só podem trazer resultados de verdade se inseridas em uma trilha onde a inovação real tenha o foco principal.


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